Cidade dos 15 minutos: a extrema-direita tem uma nova teoria da conspiração

27 de fevereiro 2023 - 10:25

Uma proposta urbanística com preocupações ambientais tornou-se o novo alvo do conspiracionismo de extrema-direita depois da pandemia. Fala-se em “confinamento das alterações climáticas” aplicado pelo plano de uma “nova ordem mundial”.

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Imagem do Paris em Comum.

Havia quem simpatizasse fortemente com ele, quem achava que era um paliativo curto demais para o que seria necessário fazer ou quem dissesse que era inconcretizável ou indesejável. Depois, o ódio contaminou o debate. O conceito da “cidade dos 15 minutos” surgiu como uma proposta urbanística de pendor ecológico a partir da ideia da criação de bairros auto-sustentáveis em que quase tudo aquilo de que se precisa está a pouca distância. Até que a extrema-direita tomou de assalto a questão e passou a apresentá-lo como o princípio de uma distopia, a aplicação de um confinamento eterno.

O colombiano Carlos Moreno, a quem se atribui o crédito da ideia, não poderia sequer sonhar com este destino quando a apresentou em 2016. Urbanista, professor na Sorbonne, habitante de Paris há vinte anos, viu o slogan disseminar-se nos meios académicos e ativistas. Depois, a presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, apropriou-se dele, tornando-o o cerne da sua campanha autárquica de 2000 e entrou definitivamente na esfera do debate político. Foi ganhando outras propostas de concretização e experiências como em Ottawa, no Canadá, Melbourne na Austrália, que está a caminho de “bairros de 20 minutos”, Portland nos EUA que já os tem, ou Barcelona na Catalunha onde foram criados “super-bairros sem carros”.

A ideia de bairros auto-sustentáveis precede a da cidade dos 15 minutos e as experiências concretas e balanços delas são diversos. As versões da teoria da conspiração que circulam também. Mas tendem a convergir em alguns pontos: tratar-se-ia de um novo passo, depois dos confinamentos e da vacinação, em direção a uma sociedade de controlo absoluto dos cidadãos. Em nome do combate às alterações climáticas, as populações ficariam eternamente encerradas dentro de um espaço exíguo, obrigadas à obediência. Tudo isto imposto por uma sombria “nova ordem mundial”.

Como muitas das teorias da conspiração, a explicação parece absurda e impossível de conseguir convencer. Mas muitos rostos da extrema-direita nas redes sociais encontraram aí um novo filão. Figuras como Nigel Farage ligam a cidade dos 15 minutos a “confinamentos das alterações climáticas” ou Jordan Peterson que fala a este propósito em “burocratas tirânicos” que decidiriam “onde é permitido que vás de carro”. A GB News, um canal recente de televisão do Reino Unido que tem espalhado teorias da conspiração e que é propriedade do multimilionário Christopher Chandler, também pegou no tema. E a questão chegou até ao parlamento britânico onde o conservador Nick Fletcher disse que este era “um conceito internacional socialista” que “nos vai custar a nossa liberdade pessoal”.

O capítulo mais recente da história das cidades dos 15 minutos aconteceu em Oxford, onde supostamente seria este conceito que estaria na base de uma proposta de gestão do tráfego. Como explica a Reuters, a cidade universitária propõe-se testar durante seis meses um sistema de “filtros de tráfego” em algumas das sua vias que pretende limitar as viagens de carro particular diretas entre os vários bairros entre as sete da manhã e as sete da tarde. Ou se tem permissão para passar por estes dispositivos ou se arrisca multa ao passar por eles. Há exceções para transportes públicos, veículos de emergência, de serviços, pessoas que necessitem de tratamento médico, bicicletas etc. e há ainda um crédito de 100 dias de viagem por ano para os habitantes de Oxford e um de 25 para os da região de Oxfordshire. Para além disso, o sistema não penaliza em absoluto as viagens de carro nem impede o acesso a nenhum local da cidade. Apenas as pretende desviar para a principal circular da cidade, que permanecerá sem quaisquer portagens, com a ideia de acabar com os engarrafamentos na circulação interna.

Sistema complexo de explicar e propostas controversas que geraram contestação de diferentes pontos do espetro político. Parte da esquerda, por exemplo, tem questionado se medidas deste tipo não contribuirão para a compartimentação da cidade em termos de classes e estratos sociais. Mas entre a contestação normal infiltrou-se a conspiração que diz que o Conselho Municipal vai confinar as pessoas em seis áreas das quais as pessoas não poderão sair sem autorização do órgão autárquico. As “notícias” sobre isto e as tomadas de posição “indignadas” foram somando centenas de milhares de visualizações nas redes sociais. No fim de semana passado, nas manifestações contra estas medidas, os conspiracionistas marcaram presença e ouviram-se palavras de ordem anti-semitas entre as cerca de duas mil pessoas presentes.

Alguns dos autarcas estão a receber ameaças de morte, conta a BBC. Há especialistas que escrevem sobre a cidade dos 15 minutos que sofrem com o mesmo. Moreno, claro, tem sido um dos alvos prediletos como explica numa entrevista à Forbes: “insultam-me, chamam-me lixo humano, neo-fascista ou um latino podre”. A CNN relata que Alex Nurse, professor de Geografia e Planeamento da Universidade de Liverpool, foi “inundado” de mensagens de ódio depois de ter escrito um artigo no The Conversation em que pretendia “separar a realidade da teoria da conspiração” sobre este tema.

O mesmo artigo cita Jennie King, diretora de Investigação e Políticas Climáticas no Instituto para o Diálogo Estratégico, um organismo que estuda a desinformação. Esta pretende analisar de onde surgiram tais ideias: “desde há anos, alguns atores dentro da indústria dos combustíveis fósseis têm vindo a tentar desencadear raiva contra a ação climática apresentando-a como tirania climática. Antes de 2020, contudo, tinham dificuldade em ganhar tração”.

A pandemia alterou isso com todos os problemas que causou e a ofensiva passou a ser desencadeada contra a ideia que depois da Covid-19 se deveria aproveitar para reduzir emissões poluentes. Ainda antes de se apresentar a cidade dos 15 minutos como o alvo principal a abater já o termo “confinamento climático” tinha surgido nos meios negacionistas das alterações climáticas, anti-vacinas e da extrema-direita e ganho dimensão como hashtag nas redes sociais. Aproveitaram igualmente a iniciativa de “relançamento económico” do Fórum Económico Mundial chamada “the Great Reset” para a fazer passar como o plano desse confinamento guiado por um governo mundial. Na névoa da teoria da conspiração, ainda há muitas vezes lugar para misturar uma pseudo-crítica dos grandes interesses económicos com a sugestão de que este é um plano comunista como o sugeria o deputado britânico.

Para além do sucesso na internet, tinha ainda chegado aos ecrãs de televisões como a Fox News.

Aquela especialista pensa que a nova teoria da conspiração ocupou o espaço deixado vazio pelas teorias de que os confinamentos da pandemia se iriam eternizar porque eram a nova forma de controlo social.